Você já deve ter ouvido falar por aí de um fenômeno chamado 50 Tons de Cinza. Pois é, a crítica literária especializada – tanto a internacional quanto a brasileira – tem definido a trilogia de E.L. James como pornô para mulheres. Explico: James é uma escritora britânica que se apaixonou pelo fenômeno Crepúsculo (sim, mesmo tendo mais do que 40 anos na época) e passou a escrever fan fics, ou seja, histórias com os personagens da saga pensadas pelos fãs. Depois de experimentar o projeto, resolveu que queria criar uma história com os mesmos pilares, mas com seus próprios personagens. Aí nasceu Fifty Shades.
A trama envolve uma recém-graduada Anastasia Steele, apaixonada por letras e livros do romantismo clássico, com seus heróis e suas mocinhas indefesas a serem resgatadas. Ela conhece, logo no começo da história, um jovem milionário chamado Christian Grey, empresário poderoso e com tendências dominadoras que, mais tarde, ela descobre ser adepto do Sadomasoquismo, ou BDSM. Anastasia é moça virgem que nunca chegou perto de um pau na vida. Imaginem o choque da garota ao perceber tudo aquilo. Mas Christian não tem pressa, ele vai com calma. Inicia a garota primeiros nas artes do vanilla sex (ou sexo sabor baunilha, numa tradução livre), como ele chama qualquer relação sexual que não envolva Brinquedos eróticos, restrições de movimentos, etc. Lembrando ainda que, com Anastasia, é a primeira vez de Christian também, pelo menos nesse tipo de sexo mais suave. Ele perdeu sua virgindade já através do BDSM, com uma amiga mais velha de sua mãe, Elena, a quem Anastasia apelida carinhosamente de Mrs. Robinson.
A partir daí, ao menos no primeiro livro da trilogia, o desafio que se instaura é bastante interessante do ponto de vista dramático. É a história de um homem e de uma mulher que vivem em pontos opostos do espectro sexual – e que gostam de onde estão -, mas que acabam se apaixonando loucamente um pelo outro, e querem fazer de tudo para que a relação dê certo. Para isso, vão precisar encontrar um meio termo para que os dois não se agridam. Até porque, entre quatro paredes, vale qualquer coisa, desde que as duas partes estejam de comum acordo. E este acordo é o motor que desenvolve a história.
Antes de tentar explicar porque a série fez tanto sucesso, há de se pontuar o grande problema da saga. Fãs de Fifty Shades, me ataquem o quanto quiserem, mas poucas vezes li um livro mais sofrivelmente mal escrito do que esse. Sem brincadeira, aquilo é horrível. Espero mesmo que, para que os leitores brasileiros não sofram tanto quanto eu, a tradução para o português tenha melhorado o original. Porque em inglês é um exercício de paciência e obstinação. Eu, que mato um por semana, demorei três meses para chegar até o fim dos três livros. E não é tanto um problema de construção como é de narrativa. A partir do segundo, absolutamente nada de interessante acontece. E aí, meus amigos, é que vira a essência daquilo que tornou o sucesso mais bombástico – o tal pornô para mulheres.
Não é mistério para ninguém que homens e mulheres se excitam de um jeito muito diferente. Homens são criaturas visuais e rápidas – em pouco tempo o sangue é bombeado e pronto, a festa está, digamos, armada. Mulheres são diferentes, são mais química, mais pele, mais contato, mais preliminares. Mas, meu amigo, se você souber o que fazer neste tempo, não tem quem segure – são cinco seguidas e ela ainda não está satisfeita, quer mais. O orgasmo feminino é mais complexo, mas mais insaciável. Ou seja, mais afeito a joguinhos eróticos, a brincadeiras excitantes que têm tudo a ver com a essência sadomasô.
E é aí que Christian Grey entra, de um jeito que poucas mulheres ficarão imunes. Ele é o epíteto do amante perfeito, construído por EL James para enrubescer a mais pudica das criaturas. Christian tem paciência e não apressa Ana em nada. Muito pelo contrário, o prazer dele está em saborear a garota em cada canto de seu apartamento. Desde quando a ensina a melhor boquete de todos (ritmo é tudo) até a vez em que os dois se trancam dentro de um quarto e ele diz que só a deixará sair depois de vê-la gozar cinco vezes. Vendada e com fones de ouvido que não a deixam ouvir nada, Ana recebe sexo oral, é manipulada com um vibrador, se delicia com os dedos de Christian enquanto ele chupa seus seios, e até recebe uns tapas mais leves, que ela permite sem entrar demais no universo do sadomasô, mas já tendo uma prévia do que pode encontrar lá dentro.
Não vou dar spoilers de como a história tenta se desenvolver, mas fato é que Fifty Shades não pode ser julgado como alta ou média literatura, porque não é. Encaro mais como um guia riquíssimo, e aí vem a surpresa, para homens. Ao longo de séculos até demais, os homens podiam fazer o que quisessem na cama, porque o papel da mulher era ficar ali, parada, esperando acabar, e virar para o lado com a sensação de que pelo menos cumpriu o papel de esposa naquela noite. Eu sei que isso vai soar uma novidade para alguns homens mais obtusos, mas, não, não é mais assim. Hoje, não comeu direito, meu amigo, vai rodar, do mesmo jeito que você dispensou dezenas de mulheres que não eram atraentes para você, ou que não fizeram um boquete direito, ou de quem você simplesmente se cansou depois da terceira transa.
Fifty Shades, mais do que pornô para mulheres, é manual de instruções para homens, principalmente aqueles que eu gosto de chamar de Quase Virgens. Os que só sabem o que é fazer sexo com eles mesmos, que usam uma vagina como acessório de masturbação. sem egoísmo e sem falsos pudores, com aquela entrega descompromissada deVamos fechar essa porta e gozar durante cinco horas seguidas? Você percebeu o verbo Vamos na frase anterior? Primeira pessoa do plural. Eu e você. Nós vamos gozar durante cinco horas seguidas. Ele não está a fim, amiga? Procura um pouco mais que uma hora você encontra seu Christian Grey, nem que você tenha que treiná-lo como ele fez com a também Quase Virgem Anastasia Steele.
Créditos : Vana Medeiros. Jornalista
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